quarta-feira, 1 de abril de 2009

"Milagre" pós-1964 concentrou renda em período de expansão"


[por Gilberto Costa da Agencia Nacional de Brasília]

O período militar de 1964 a 1985 abrigou grandes contradições na sociedade brasileira, como a modernização da economia a custo do agravamento da desigualdade social. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os 20% dos brasileiros mais pobres tinham 3,9% do total da renda nacional em 1960. Vinte anos depois, em 1980, esse mesmo um quinto da população concentrava apenas 2,8% de toda a renda produzida no país.
Em 1974, após o chamado "milagre econômico", o salário mínimo tinha a metade do poder de compra de 1960. Nos anos do milagre (1968 a 1973), a taxa de crescimento econômico ficou em torno de 10%, com picos de 14%, e a indústria de transformação expandiu quase 25%.As contradições econômicas de um país que ficava mais rico e a população mais pobre têm explicações políticas, avalia o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann. "A ausência de democracia impossibilitou haver pressão de baixo. A política autoritária acabava consagrando os resultados econômicos."Para a economista Leda Paulani, da Universidade de São Paulo (USP), os momentos de maior crescimento econômico são propícios para expansão do emprego e da renda, "porque a demanda por trabalho é muito alta, não há risco de desemprego". A ditadura, no entanto, impediu essa associação virtuosa ao reprimir a organização política e a luta sindical. "Os trabalhadores não podiam lutar por maiores fatias do bolo, os sindicatos estavam amordaçados", lembra.

O presidente Médici inaugura placa marcando o início da construção da rodovia Transamazônica, em Altamira, Pará, em 1970
Leda assinala que "as condições econômicas para o milagre foram colocadas no período anterior à ditadura", referindo-se à capacidade instalada da indústria e ao contexto da economia internacional. Na sua opinião, o milagre melhorou em termos absolutos a situação de setores que tiveram acesso ao crédito. "O crescimento por si só era bom. O crédito acabava melhorando a vida material. Mas, em termos relativos, as desigualdades se aprofundaram nos estratos mais pobres. Não se aproveitou aquele momento de crescimento para resolver a desigualdade distributiva. "Segundo Pochmann, no golpe militar de 1964 [assim como na Revolução de 1930] predominou uma convergência política em torno do crescimento econômico, como mecanismo de postergar as soluções dos problemas sociais e de manter a concentração patrimonial e a desigualdade de renda. "O crescimento era uma convergência que impedia a oposição frente aos resultados sociais insatisfatórios e à própria ausência de democracia.""Os ministros da economia eram pessoas muito elitistas, pensaram o desenvolvimento econômico por meio da liderança de certas elites estratégicas. No caso do campo, virou agrobusiness, no caso da indústria, foi a consolidação [do mercado de bens de consumo] e a abertura para o exterior", complementa Benício Schmidt, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB).Conforme Schmidt, a escolha pelo crescimento sem distribuição de renda teve consequências econômicas e sociais bastante graves.
"Hoje, nossa economia está praticamente monopolizada, fruto dessa acumulação concentrada. É claro que isso não gerou os empregos que deveria, não ajudou a renda como deveria e trouxe muitos problemas. Não serviu para pressionar o sistema educacional para atender uma demanda que nunca existiu. Isso tudo foi acumulando e deu no que deu: uma das concentrações de renda mais altas do mundo", lamenta.Além da questão econômica e social, o cientista político faz a ligação entre o modelo econômico e a repressão durante a ditadura. "A elite militar estava sustentada no empresariado, com grandes conexões internacionais. Um número reduzido de empresários que financiaram a Operação Bandeirantes (Oban)", diz, referindo-se à formação paramilitar dos órgãos de repressão em São Paulo, financiada por grandes empresas, inclusive multinacionais, para combater a resistência à ditadura."Os empresários financiaram o golpe de Estado e com ele expandiram muito seus negócios, tiveram nos militares uma grande segurança, um grande guarda-chuva de proteção", avalia Schmidt.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Alteração no CDC determina tamanho mínimo de letras de contrato


A Lei 11.785, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), altera o terceiro parágrafo do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor. A partir de sua publicação no Diário Oficial da União nesta terça, dia 23/9, os contratos de adesão deverão ser redigidos com fonte superior ao tamanho 12. O CDC já exigia que os contratos fossem legíveis, mas não especificava o tamanho mínimo das letras.No entendimento do Idec, o ideal seria que fornecedores de produtos e serviços observassem o que já está na redação atual do CDC, sem precisar modificá-lo a este nível de detalhe. Caso a boa fé não prevaleça entre os fornecedores, a modificação pode ser inócua, já que a nova redação do artigo só define o tamanho da letra e não o seu tipo - os vários tipos de letras que existem têm dimensões relativas diferentes, mesmo que todos tenham tamanho 12.Além disso, é importante que o novo enunciado, estipulando o tamanho mínimo das letras em 12 pontos, não sirva de álibi para fornecedores em eventuais disputas judiciais, já que podem existir pessoas para as quais este tamanho de letra permanece insatisfatório.O CDC (Lei 8.078), que completou recentemente 18 anos, tem como uma de suas características mais marcantes a generalidade, ou seja, ela não procura regular detalhes das relações de consumo mas sim de estabelecer os parâmetros em que essas relações devem acontecer, garantindo os direitos da parte mais frágil - o consumidor. Lamentavelmente, o cumprimento do CDC ainda precisa ser exigido pelas pessoas, entidades e determinado pelo Poder Judiciário. Regulamentações específicas como esta sequer deveriam ser necessárias. Mas quando inevitáveis, podem constar de portarias e regulamentos, a exemplo do recente decreto federal, que regulamentou os Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs).O risco é querer se modificar as leis a cada nova necessidade particular que surge em períodos relativamente curtos de tempo.


IDEC- 23 de Setembro de 2008

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Pra onde irá nossos velhos e pobres (atletas)?


[por Valter Bernardo]

Qual será a grande diferença entre o futebol feminino dos Estados Unidos e o do Brasil? Será o técnico, feminino e masculino respectivamente? Será a beleza, Onde as americanas ganham em cheio? Ou seria o melhor condicionamento físico?
Essas são as pequenas diferenças. O que difere, e muito, as duas seleções é o seguinte. As jogadoras brasileiras dão a vida pelo esporte e necessitam do esporte para viver, já que nenhuma delas tem outra profissão. Então se por acaso (o que não é difícil acontecer) alguma se machuque gravemente e não mais possa jogar futebol, vai fazer o que? E quando estiverem em fase ruim e sem contrato, vai comer como? Ou quando não tiverem mais idade para jogar, vai viver de quê? Por outro lado as jogadoras americanas todas são universitárias. Jogam com amor, são ótimas atletas, mas se algo (o que já foi citado) acontecer com alguma jogadora e privá-la do futebol poderá exercer sua segunda (ou primeira) carreira tranquilamente.
Enfim se o esporte no Brasil continuar desvinculado quase totalmente do estudo, da educação futuramente, para abrigar os atletas “inúteis”, solitários e pobres, teremos que fazer como os artistas, criar um RETIRO DOS ESPORTISTAS

quarta-feira, 30 de julho de 2008

A próxima derrota dos Estados


É de conhecimento público que George W. Bush enganou seu paíse a comunidade internacional com os mitos das “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein e suas ligações com a Al-Qaida. Mas o que não se comenta na mídia ocidental é que as ilusões do presidente estadunidense nunca acabaram, e que há outras histórias em que ele continua enganando todos. De fato, uma das frases mais ditas por George W. Bush e sua administração nos últimos anos é: “ouça o que o inimigo diz: a Al- Qaida considera o Iraque a frente de batalha central na guerra contra o terrorismo”. Por ignorância ou simples má fé, as afirmações da Casa Branca provaram-se não menos enganosas do que as acusações pré-invasão do Iraque. A verdadeira “frente de batalha” nunca deixou de ser as regiões tribais do Afeganistão e do Paquistão, em que os líderes da Al-Qaida estão reorganizados após as fugas de 2001 e onde seus aliados do Talibã mostram-se a cada dia mais perigosos e audaciosos contra as forças da OTAN. Nove soldados estadunidenses morreram em 13 de julho devido a ataques do Talibã no Afeganistão, mais do que a média diária no Iraque, e militares da ocupação na região confirmaram a “deteriorização da segurança”. Na frágil situação política do Paquistão, com seu arsenal nuclear, o Talibã parece ter se enraizado entre as comunidades mais necessitadas, e o país tornou- se o novo foco da Al-Qaida e seus aliados. Apesar dessa realidade, a administração Bush continua a despachar soldados e equipamentos militares para o Iraque, deixando o Afeganistão como segundo plano, exatamente como a Al-Qaida havia planejado. É no mínimo ingênuo confiar tanto no que “o inimigo” diz. Assumindo que a Al-Qaida tenha mesmo chamado o Iraque de “frente de batalha central”, algo que a organização nunca publicou abertamente em centenas de comunicados, mas que Bush garante saber pelo trabalho do serviço de inteligência dos Estados Unidos, não é muito provável que esse argumento tenha sido usado exatamente para desviar a atenção dos estadunidenses para longe do Afeganistão? As evidências aprendidas através dos comunicados oficiais da Al- Qaida e de outros documentos divulgados no transcorrer dos anos apontam justamente que o Iraque nunca foi a “frente de batalha central”. Por exemplo: em meados de 2005, no mais alto calor das batalhas no Iraque, o homem número 2 da Al-Qaida, Ayman al- Zawahiri, enviou um comunicado aos líderes da organização no país ocupado pedindo que “se possível, guardem algo como 100 mil dólares para contribuir com os esconderijos”. Ele referia-se, obviamente, à fuga dos líderes da organização que estavam no Paquistão. Ao invés dos fundos estarem vindo do Paquistão para o Iraque, o que acontecia era exatamente o contrário. Fontes da CIA reconheceram que esse não era o modo esperado de tratar-se uma “frente de batalha central”. A invasão do Iraque representou o maior presente possível para a Al-Qaida e o Talibã, acusados pelos ataques de 11 de setembro de 2001. A invasão em 2003 desviou importantes investimentos e recursos de inteligência, como oficiais especialistas em “contra-terrorismo”, fluentes no idioma árabe, e toda a aparelhagem de espionagem, para longe de onde estavam os “homens mais procurados” pelos Estados Unidos. O Iraque tornou-se a grande distração da “guerra contra o terrorismo”, permitindo uma liberdade incrível para os líderes da Al-Qaida na sua principal base. Essa estratégia de sucesso pode ser claramente compreendida no comunicado de 2006 enviado pelo líbio Atiyah Abd al-Rahman, um dos homens mais próximos de Osama bin Laden, para o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, comandante de uma das organizações salafistas no Iraque associadas à Al-Qaida. A carta condenava a campanha precipitada de Zarqawi no Iraque, e expressava o interesse de “agir com mais calma para construir uma força política”. Nas palavras de Atiyah: “prolongar a ocupação é nosso interesse”. Portanto, ao invés de atacar os invasores com o intuito de expulsá-los e estabelecer uma base permanente no Iraque, como proclamava George W. Bush, o alto escalão da Al-Qaida queria mesmo amarrar os estadunidenses no Iraque, para que a liderança pudesse respirar com mais calma entre o Afeganistão e o Paquistão. É irônico então que os mais recentes relatórios da Estimativa de Inteligência Nacional (EIN) dos Estados Unidos, que expressa consenso entre todas as 16 agências de inteligência estadunidenses, concluem que a guerra do Iraque tornou-se a “causa célebre” para “cultivar interessados pelo movimento jihadista internacional”. O Iraque tornou-se um local seguro e aberto para a recrutação da Al-Qaida, e ao mesmo tempo diminuiu a perseguição aos líderes no Afeganistão. Exatamente como a administração Bush menosprezou os perigos dos seus primeiros meses na Casa Branca, o mesmo erro repete-se hoje. A próxima derrota dos Estados Unidos está sendo escrita neste momento. [Oriente médio vivo, ed. 113]

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Desculpas


Ólá a todos. Desculpem nosso descuido, que aqui se traduz em : não atualização de blog. Mas faculde... final de semestre... é fogo. Esperamos que aceitem nossas desculpas e continuem a vizitar o Rodizio Cultural. Gostaria de lembrar mais uma vez que aqueles que tiverem interesse em mandar algum artigo para o nosso blog para ser publicado, fiquem a vontade: juninho.historia@hotmail.com ou amiltoncma@yahoo.com.br.

Obrigado a todos. Rodízio Cultural

Papado de Carlos Magno ou reinado de Leão III





[Por Valter Bernardo]


Se podemos afirmar que, apesar das grandes conquistas e avanços do cristianismo como o fim das perseguições (313), a constituição do cristianismo como religião oficial do império romano (392), a conversão dos reis germânicos ( que não quer dizer a conversão de todo o reino), o grande trunfo da perseguição ao paganismo; o maior investimento da Igreja, pressupondo seus objetivos de universalização da religião e de uma

teocracia religiosa, foi a “fusão” com o império carolíngio, ou mesmo antes disso, a aproximação com a família aristocrática franca : os carolíngios. É também lícito dizer que com todo o esforço de unificação militar iniciado com Carlos Martel, vice-rei dos francos e vitorioso em Poitier contra os muçulmanos, e continuado por ser filho Pepino, a grande empreitada carolíngia foi a associação com a Igreja que podemos ilustrar com coroação de Pepino pelo bispo de Roma em 754 e com a doação de Constantino. Daí pra frente até o fim do império carolíngio com o tratado de verdun (843) onde está o papa está o rei, onde está a espada está a cruz. Assim

o movimento carolíngio repousa sobre uma aliança entre o império e a Igreja, que assegura, através de uma troca equilibrada de serviços e apoios, o desenvolvimento conjunto de um e de outro. (Baschet, p.72)

Carlos Magno da continuidade a tentativa de unificação militar de seu pai, (Pepino, o breve), com investidas na Itália, na região dos saxões com extrema violência, na Germânia, na Polônia, Hungria e contra os Pirineus para formar uma zona de proteção contra os muçulmanos ibéricos. “Carlos Magno consegue reunificar uma parte considerável do antigo império do ocidente.” (IDEM, p. 70). As investidas de Carlos Magno que não só eram militares, mas levava a intenção de cristianização dos pagãos e hereges resultou em sua coroação pelo papa Leão III, em 800, e é a este que se deve a maior intenção nessa iniciativa, já que com isso “o papa sinalizava ao franco que este tem sua dignidade a partir da igreja” (IDEM. P.71).
A relação de vassalagem iniciada com Carlos Magno, onde se dividia o território em “pagis”, que eram dados em troca de serviços prestados ao Rei aos condes e nas regiões de fronteira aos duques e marqueses (títulos estes de nobreza também instituídos por Carlos Magno) demonstra que a administração do reino não era fortemente organizada e centralizada. Há também nesse momento um desenvolvimento nas zonas rurais, um aumento demográfico e a retomada do comércio que leva a uma maior organização monetária com a decisão de Carlos Magno em substituir a cunahgem de ouro pela de prata.
Os clérigos são personagens importantes na administração deste reino, onde o imperador é quem nomeia os bispos, abades e dispõe de grande número de igrejas (180) e monastérios (700). Contudo a Igreja se beneficiava nesta situação com proteção, terras, autonomia judiciária e fiscal e com o dízimo tornado obrigatório em 779.
Porém “é no domínio do pensamento do livro e da liturgia que o renascimento carolíngio conhece seus mais duradouros sucessos” (IDEM,p.74) No período carolíngio principalmente com Carlos Magno e seu filho Luís, o piedoso, reúne-se um grande números de intelectuais ao redor da corte. Com o objetivo principal de difundir os textos fundamentais do cristianismo, homens letrados e clérigos promoveram um grande avanço na história das técnicas intelectuais. Entre elas estão a generalização das letras minúsculas, mais elegantes e que tornavam os livros mais manuseáveis e legíveis, o hábito de separar as palavras e as frases uma das outras com o desenvolvimento de um sistema de pontuação, o aumento na produção de livros, a conservação da literatura latina antiga graças ao trabalho dos copistas e, por fim, a reforma litúrgica que unificou os ritos religiosos , não os deixando “à mercê da diversidade dos costumes locais” (IDEM.p.76). As artes também inovam. A arquitetura acompanha a liturgia, ambas cada vez mais bem elaboradas, imponentes e poderosas. As imagens de santos repletas de detalhes e a multiplicação no domínio literário também ajudam a ilustrar esse momento de grande produção cultural e intelectual.
A unificação carolíngia, apesar de pequena (+ou-751-843) deixou marcas duradouras. Contudo com a regionalização do poder, a formação dos feudos e a pulverização do império pelo pacto de Verdum (843) essa unificação não foi mais possível dando origem ao germe dos Estados independentes.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A normalidade da violência em Roma


[por Noberto Luiz Guarinello]

Para o gladiador dor e morte deixavam de ser coisas terríveis para se tornar parte corriqueira da vida. Honra e vergonha são palavras-chave para entendermos a paixão romana pela arena

Os jogos de gladiadores fornecem um bom exemplo dos intrincados percursos sociais do espetáculo no mundo romano. As disputas de gladiadores eram um fato normal da vida cotidiana havia muito tempo. Durante o Império, os combates de gladiadores aumentaram de freqüência e se difundiram por todo o mundo romano. Surgiu um tipo especial de edifício, o anfiteatro, que funcionava como palco das lutas entre gladiadores e de outras formas de espetáculo. Em Roma, assim como nas províncias, as lutas de gladiadores estavam sempre ligadas à pessoa do imperador. Era ele que as oferecia em Roma e, nas províncias, eram os sacerdotes do culto imperial os responsáveis por sua realização. Os anfiteatros eram uma espécie de microcosmo da sociedade romana, como parte e reflexo do cotidiano. Os assentos eram repartidos segundo as classes da população, e o próprio anfiteatro era um local onde a população não apenas via, mas se fazia ver e ouvir, no qual imperador e plebe, dirigentes e dirigidos se confrontavam face a face, onde o anonimato da massa conferia força e consistência para o apoio ou para as reivindicações da plebe. Nesse espaço, sagrado e mundano, as lutas entre gladiadores ocupavam um lugar especial.O anfiteatro era, para os romanos, parte de sua normalidade cotidiana, um lugar no qual reafirmavam seus valores e sua concepção do “normal”. Nos anfiteatros eram expostos, para serem supliciados, bárbaros vencidos, inimigos que se haviam insurgido contra a ordem romana. Nos anfiteatros se supliciavam, também, bandidos e marginais, como por vezes os cristãos, que eram jogados às feras e dados como espetáculo, para o prazer de seus algozes ou daqueles que defendiam os valores normais da sociedade.Mas os combates de gladiadores ocupavam um lugar à parte, um lugar de honra. Embora, de início, os gladiadores tenham sido, em sua maioria, prisioneiros de guerra ou escravos, na época do Império boa parte era de origem livre, os auctorati, que se ofereciam como gladiadores, colocando-se sob o poder de seu mestre (o lanista), ao qual prestavam juramento sagrado.Esse juramento transformava o gladiador num ser para o qual a dor e a morte deixavam de ser ameaças terríveis para transformar-se em parte corriqueira da vida: um simples momento, o momento da verdade, que deixava de ser objeto de angústia para se tornar objeto de honra. Honra e vergonha são palavras-chave para entendermos a paixão que os gladiadores suscitavam no mundo romano. O gladiador vencido, em vez de lutar inutilmente pela vida, oferecia graciosamente o pescoço a seu adversário e à platéia. Transmutava, assim, a vida num combate glorioso, cujo fim, necessário para todos, podia ser uma morte digna. A figura do gladiador era um belo espelho de realização humana, um modelo para filósofos e religiosos. Não era o massacre, a vista do sangue, a dor alheia que seduziam os espectadores, mas um uso, todo próprio, todo especial, todo romano, do que nós mesmos consideramos uma violência absurda.

Revista História viva ed.56- junho 2008