quarta-feira, 30 de julho de 2008

A próxima derrota dos Estados


É de conhecimento público que George W. Bush enganou seu paíse a comunidade internacional com os mitos das “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein e suas ligações com a Al-Qaida. Mas o que não se comenta na mídia ocidental é que as ilusões do presidente estadunidense nunca acabaram, e que há outras histórias em que ele continua enganando todos. De fato, uma das frases mais ditas por George W. Bush e sua administração nos últimos anos é: “ouça o que o inimigo diz: a Al- Qaida considera o Iraque a frente de batalha central na guerra contra o terrorismo”. Por ignorância ou simples má fé, as afirmações da Casa Branca provaram-se não menos enganosas do que as acusações pré-invasão do Iraque. A verdadeira “frente de batalha” nunca deixou de ser as regiões tribais do Afeganistão e do Paquistão, em que os líderes da Al-Qaida estão reorganizados após as fugas de 2001 e onde seus aliados do Talibã mostram-se a cada dia mais perigosos e audaciosos contra as forças da OTAN. Nove soldados estadunidenses morreram em 13 de julho devido a ataques do Talibã no Afeganistão, mais do que a média diária no Iraque, e militares da ocupação na região confirmaram a “deteriorização da segurança”. Na frágil situação política do Paquistão, com seu arsenal nuclear, o Talibã parece ter se enraizado entre as comunidades mais necessitadas, e o país tornou- se o novo foco da Al-Qaida e seus aliados. Apesar dessa realidade, a administração Bush continua a despachar soldados e equipamentos militares para o Iraque, deixando o Afeganistão como segundo plano, exatamente como a Al-Qaida havia planejado. É no mínimo ingênuo confiar tanto no que “o inimigo” diz. Assumindo que a Al-Qaida tenha mesmo chamado o Iraque de “frente de batalha central”, algo que a organização nunca publicou abertamente em centenas de comunicados, mas que Bush garante saber pelo trabalho do serviço de inteligência dos Estados Unidos, não é muito provável que esse argumento tenha sido usado exatamente para desviar a atenção dos estadunidenses para longe do Afeganistão? As evidências aprendidas através dos comunicados oficiais da Al- Qaida e de outros documentos divulgados no transcorrer dos anos apontam justamente que o Iraque nunca foi a “frente de batalha central”. Por exemplo: em meados de 2005, no mais alto calor das batalhas no Iraque, o homem número 2 da Al-Qaida, Ayman al- Zawahiri, enviou um comunicado aos líderes da organização no país ocupado pedindo que “se possível, guardem algo como 100 mil dólares para contribuir com os esconderijos”. Ele referia-se, obviamente, à fuga dos líderes da organização que estavam no Paquistão. Ao invés dos fundos estarem vindo do Paquistão para o Iraque, o que acontecia era exatamente o contrário. Fontes da CIA reconheceram que esse não era o modo esperado de tratar-se uma “frente de batalha central”. A invasão do Iraque representou o maior presente possível para a Al-Qaida e o Talibã, acusados pelos ataques de 11 de setembro de 2001. A invasão em 2003 desviou importantes investimentos e recursos de inteligência, como oficiais especialistas em “contra-terrorismo”, fluentes no idioma árabe, e toda a aparelhagem de espionagem, para longe de onde estavam os “homens mais procurados” pelos Estados Unidos. O Iraque tornou-se a grande distração da “guerra contra o terrorismo”, permitindo uma liberdade incrível para os líderes da Al-Qaida na sua principal base. Essa estratégia de sucesso pode ser claramente compreendida no comunicado de 2006 enviado pelo líbio Atiyah Abd al-Rahman, um dos homens mais próximos de Osama bin Laden, para o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, comandante de uma das organizações salafistas no Iraque associadas à Al-Qaida. A carta condenava a campanha precipitada de Zarqawi no Iraque, e expressava o interesse de “agir com mais calma para construir uma força política”. Nas palavras de Atiyah: “prolongar a ocupação é nosso interesse”. Portanto, ao invés de atacar os invasores com o intuito de expulsá-los e estabelecer uma base permanente no Iraque, como proclamava George W. Bush, o alto escalão da Al-Qaida queria mesmo amarrar os estadunidenses no Iraque, para que a liderança pudesse respirar com mais calma entre o Afeganistão e o Paquistão. É irônico então que os mais recentes relatórios da Estimativa de Inteligência Nacional (EIN) dos Estados Unidos, que expressa consenso entre todas as 16 agências de inteligência estadunidenses, concluem que a guerra do Iraque tornou-se a “causa célebre” para “cultivar interessados pelo movimento jihadista internacional”. O Iraque tornou-se um local seguro e aberto para a recrutação da Al-Qaida, e ao mesmo tempo diminuiu a perseguição aos líderes no Afeganistão. Exatamente como a administração Bush menosprezou os perigos dos seus primeiros meses na Casa Branca, o mesmo erro repete-se hoje. A próxima derrota dos Estados Unidos está sendo escrita neste momento. [Oriente médio vivo, ed. 113]